quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ricardo Soares - Capitão blue e Cactus Kid




Quando você começou a mexer com música e quando foram as suas primeiras composições?


Eu comecei a tocar violão com 17 anos, em meados dos anos 80. Ficava tirando músicas das revistinhas Violão e Guitarra e depois reunia com os amigos pra cada um mostrar as coisas novas que tinha aprendido. Tinha bastante gente que tocava na minha turma lá em Sapucaia do Sul. Daí a começar a compor foi uma coisa absolutamente natural, tipo "Tá, agora tá na hora de eu começar a fazer algumas músicas" e sair fazendo. A gente montava umas bandas e o material original era bastante valorizado.

Quais as suas influências musicais e qual foi a primeira relação com música que te vem a cabeça?

Meu avô, o Seu Euclides, era violonista, compositor e agitador cultural. Na minha infância viviam rolando festas cheias de música em casa, então a paixão foi uma coisa natural. Já na adolescência eu me identifiquei mais com o pessoal mais irreverente, mais inteligente, de mensagem mais afiada. Na maioria malditos, porque a inteligência pode bem ser uma maldição. À medida que fui aprofundando minha cultura musical, continuei sempre a preferir os loucos, os ditos indomáveis. Minhas maiores referências são Raul Seixas, Arnaldo Baptista, Brian Wilson, Bob Dylan, Leonard Cohen, Serge Gainsbourg, Lee Hazlewood, mas tem bem mais uma dúzia nessa lista. Mas eu também sempre adorei e sempre soube mesmo ver o lado mais louco em caras superpopulares como o rei Roberto e os Bee Gees, por exemplo.

As composições evoluem com o tempo ou o artista é um recipiente do que acontece ao seu redor?
O artista evolui, descobre novas formas, abre mão de velhos caminhos por novos, eventualmente relê aqueles velhos caminhos. O importante é que ele dê, ou pelo menos tente, algo inovador e não simplesmente mais do mesmo.

Você sente que as suas raízes gauchas vieram em suas composições quando você veio para São Paulo? Alías comente um pouco o cenário musical do rio grande do Sul em sua época e hoje?

Eu sou de Sapucaia do Sul, região da Grande Porto Alegre, uma zona urbana. Ainda que a música regional, e muito dela de qualidade, tivesse uma presença relativamente forte, a informação ia muito além. A gente ouvia a Ipanema FM, que foi uma das pioneiras em música alternativa fora do esquemão comercial que ditava a programação das outras FMs e ouvia coisas absurdamente interessantes. Coisas que só não são impensáveis hoje porque com a internet veio uma liberdade cultural absurda. Mas foi preciso uma nova tecnologia pra que isso ocorresse. Dentro daquele velho padrão analógico FM/TV/Cinema/Revista, eu me considero um privilegiado de ter tido a informação que eu tive nos anos mais importantes da minha formação artística. Sobre a cena roqueira gaúcha eu sempre achei que existe um certo descuidado com as letras das canções. A terra dos Veríssimo merecia ter ganho coisas mais inteligentes na forma de letra de canções. Claro que isso não vale pra música gaúcha como um todo, apenas para a turminha do rock n roll. Acho genial os trabalhos de muita gente por lá. Vitor Ramil e Nei Lisboa, por exemplo, pra ficar nos mais conhecidos.

Há na música "Guarde uma prece" um verdadeiro apanhado geral dos problemas modernos me lembrou muito "Ouro de tolo" do Raul aliás você o cita, queria que você comentasse um pouco a música?

"Guarde uma prece" é uma brincadeira à la Bob Dylan, uma canção misturando figuras reais em situações surreais, meio que se chocando com o clima de "Pra frente, Brasil". Raul fez isso muito bem em Super Heróis também. Eu gosto bastante dela e de diversas imagens contidas ali, exorciza algumas coisas do meu passado. É quase uma sessão de psicanálise em forma de canção.

Porque "As aventuras do capitão Blue" e porque a "Balada de cactus Kid' como nome de seus discos?

Brincadeiras pop pra nomes de álbum. Qualquer dia eu lanço um disco com quinze nomes pra gastar esse monte de idéias de nomes pra disco que ficam aparecendo na minha cabeça.

Vejo tanto em Bob Dylan como no Raul, influências citadas por você, um retorno ao trovador medieval aquele homem que viajava de aldeia em aldeia e era a única forma de contato do povo com o mundo. Como você vê essa idéia e qual a função do trovador moderno num mundo de internet e etc...?

Continua sendo a mesma coisa, e vai ser assim sempre. As pessoas continuam se identificando com determinados artistas e o artista continua indo atrás das pessoas que se identifiquem com ele. Isso vale para todos os estilos de música cantada e até além. Pessoas inteligentes se identificam com trovadores inteligentes, pessoas supostamente inteligentes se identificam com trovadores supostamente inteligentes, pessoas altamente emocionais com pagodeiros e sertanejos, adolescentes se identificam com roqueiros ou DJs. O show tem que continuar.

Quem vem primeiro a melodia ou a letra?

No meu processo acontecem juntas, eu preciso ter rascunhos das duas pra poder ir trabalhando a obra. Mesmo nas pouquíssimas parcerias onde eu fui apenas letrista, como "Notícias de Mim" com o Zé Rodrix, eu criava uma melodia fantasma pra poder finalizar o processo e enviar a letra ao parceiro.

Qual a importância do arranjador em seu trabalho?

Eu quero ainda poder trabalhar com outros grandes arranjadores, admiro muito esses profissionais e uma tarde de trabalho com um bom arranjador é uma grande aula, não tem preço. Ter trabalhado com o Zé Rodrix na época dos Tropeçalistas, acompanhado a cabeça do maestro modificando os arranjos sempre atrás de um conceito mais alto, foi simplesmente fantástico. O simples prazer de ouvir um fonograma de qualidade analisando as escolhas do arranjador já faz do ato de ouvir música um nova aventura.

Gosta do trabalho de parceria ou acha difícil trabalhar com um parceiro?

As duas coisas. Como eu tenho facilidade com os dois elementos, letra e música, isso favorece ao processo solitário, que tem suas vantagens. Mas parcerias são necessárias, para novos rumos, novos enfoques e alguma diluição do ego. Sempre saudável.

Gosto muito da música " Eu e Mr. Hide", mas não consegui ouvi -la no site do myspace por isso queria que falasse um pouco sobre essa canção?

É uma das minhas que eu mais gosto, eu consegui um equilíbrio ali que sempre vai me servir de referência na hora de finalizar uma canção. Gosto do tema, gosto da abordagem, gosto das imagens e naquele arranjo do Zé Rodrix para os Tropeçalistas, ficou fantástico. Costumo dizer que a maior influência para essa canção foram os desenhos do Tom & Jerry. Acho fantástica a possibilidade de ser influenciado por desenhos animados ou filmes ou mesmo chefs de cozinha.

Música Nacionalista ou Música internacional ou...?

A arte não tem fronteira, você escolhe a forma de interagir. Se você cantar letras políticas em inglês, a quem você pretende comunicar? Já se você quiser cantar coisas de amor em inglês, djavanês, essas coisas, as possibilidades são outras. Mas ainda assim, são estéticas individuais, tudo pode, tudo vale. Minha preocupação maior é com o padrão artístico final: é bom ou não, comunica ou não, surpreende, faz rir, chorar. A arte política é uma possibilidade. Mas apenas uma delas.

O artista deve ser subvencionado pelo Estado? Ou deve ser independente?

Gosto mais da idéia de um estado cuidando de saúde, educação, moradia, bla bla bla, essas coisas. Até porque ele nunca consegue ser justo nas escolhas de quem ele vai subsidiar, artisticamente falando. E o artista tem que mostrar, mostrar, mostrar. Na verdade são discussões distintas: Se o estado deve bancar a arte ( e existem situações onde o estado realmente tem que comprar arte ) e se o artista deve depender do estado. A mim o estado não parece alternativa. Mas ele pode ser um dos meus clientes, se quiser.

Qual foi a sensação de vencer o Festival da Globo em 2000? Há futuro nos festivais atuais?

Foi um tesão. Numa banda com caras do naipe de Luiz Carlini e Johnny Boy, cantando um rock'n roll honestíssimo e se divertindo horrores? Ser elogiado por caras como João Araújo, Wally Salomão e Renato Ladeira? Sensacional. Mas bem poderia ter sido a pá de cal nos festivais. Não me importaria de ter sido o coveiro. Os tempos são outros e mesmo alguns clássicos da mídia como as telenovelas e o jornal das dez devem estar com os dias contados, da forma como os conhecemos. Os festivais foram os primeiros a envelhecer e perder o sentido. Viva as novas mídias, os blogs, os vídeos virais...

Qual a saída para o artista divulgar seu trabalho?

Tocar, gravar, compor, mostrar, postar na internet, fazer videoclipes baratos, mandar para as pessoas, compor mais e mais e mais e melhor e melhor e melhor e tocar e gravar e postar na internet e....

A técnica musical ajuda o compositor ou é uma ferramenta que atrapalha o criador?

A necessidade da técnica é incontestável. Se aliada à criatividade, o resultado pode ser maravilhoso. Jimmy Page e George Harrison eram donos de grande técnica além de possuirem um visão criativa magistral. Qualquer outro grande gênio com certeza dominava seu instrumento. Mesmo que o instrumento fosse a caneta. Vinícius e Dylan dominavam uma outra técnica, a da palavra e a isso aliavam doses generosas de criatividade. Só não me venha com técnica pura, que daí é datilografia...

Rock n roll ou samba? Porque?

Uma das minhas canções que eu mais gosto se chama "O Sambista Mais Famoso do Delta do Mississippi" e faz uma brincadeira com Robert Johnson e Adoniran Barbosa. Eu também gostaria de saber porque tem que ser um ou outro se você pode ter os dois.

Há uma máfia no meio musical?

Na verdade eu não posso falar sobre isso sob risco de amanhecer com a boca cheia de formigas... Brincadeira, claro. O que eu acredito é que música é um negócio como outro qualquer, e os empresários acabam escolhendo com critérios puramente mercadológicos onde aplicam seu dinheiro, o que faz sentido. E para quem está de fora com um trabalho sabidamente bom e não consegue entrar, vendo um monte de lixo sendo empurrado guela abaixo via televisão e FM, pode até pensar que isso é coisa de mafioso. Acredito que o poder de negociação fale mais alto do que qualidade artística no mercado atual. Mas existem várias outras possibilidades que foram criadas, que eu acho besteira querer hoje em dia fazer sucesso à moda antiga. Chame na chincha, crie coisas novas e divirta-se no processo. Pare de pensar em sentar na poltrona do Jô, descomprometa-se e me traga algo realmente interessante. Redefina o sucesso. É assim que eu acho que funciona.


Para ouvir Ricardo Soares é só acessar http://www.myspace.com/capitaoblue

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