segunda-feira, 23 de março de 2009

Ozias Stafuzza (O Zi) e a música impopular brasileira



Quais as suas influências?

Minha primeira influência foi o rádio, que desde os 4 anos de idade me encantava. Era um veículo que , na década de 70, era bem diversificado, tocando compositores e cantores diversos, da música brega derivada da jovem guarda, samba de raiz, o samba mais simples, a mpb mais sofisticada, o rock, a música caipira...Poderia dizer que minhas influências se ramificam em uns oito caminhos: Beatles e grupos de rock da década de 60 e 70, a MPB dos grandes inventores (Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, entre outros), o Clube da Esquina (Lô Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Milton Nascimento, O Terço, etc...), a Música Caipira, Regional e o Folclore rico de ritmos (Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho,Luiz Gonzaga, maracatu, bumba meu boi, jongo, etc.), o Samba nas regras da arte (Cartola, Noel Rosa, Paulinho da Viola,Zé Ketti, Assis Valente, Nelson Cavaquinho...), Pontos de fusão que ao longo do tempo se fez entre Mpb , Pop e Rock (Mutantes, Raul Seixas, Sérgio Sampaio,Cazuza, Lobão, Zeca Baleiro, Chico César...) Experimentos poéticos e de Vanguarda (Walter Franco, Arnaldo Antunes, Rumo e Ná Ozzetti, Itamar Assumpção...) e a Bossa-nova (Tom Jobim, Vinícius, ...)


Qual a sua formação musical?

Não tive uma formação musical em escolas. Aprendi sozinho violão, somente pra poder me acompanhar, porque o que eu gostava mesmo era de cantar e compor.No fim das contas,na década de 90, após uns 5 anos sem me apresentar, só trabalhando em outras áreas e compondo em casa, voltei à ativa mais como violonista acompanhante de cantoras como Aurora Maciel e A Quatro Vozes, e fundei o Cantilena com o Wellington de Faria e Adriana de Oliveira, pra cantarmos nossas parcerias.



Como você enxerga a música atual?Quais os aspectos positivos e negativos?

A gente pode pensar de duas formas essa questão. Uma é a produção atual como um todo,que ainda é muito rica, apesar da falta de espaços pro trabalho artístico ser mostrado. Nas viagens que fiz com grupos musicais por outras cidades e estados, pude constatar que toda cidade tem uma produção grande, que fica escondida, represada, e bons compositores e intérpretes que merecem ser mostrados. Outra forma é pensar a música que é veiculada, comercializada, que aparece,que em sua essência é de qualidade muito ruim, porque boa parte desta produção é pensada e vendida como produto, que tende a ser logo descartável. O aspecto negativo é que só predomina um ou outro estilo monopolizado como moda, que poderia coexistir com esta produção boa, mas o que não aparece na mídia simplesmente não existe pra maioria das pessoas.


Como a mídia influencia o trabalho de um compositor?

Primeiramente, posso dizer que até uns 20 anos atrás, quando o jabaculê nas rádios e tevês era mais discreto, a mídia influenciava trazendo novos elementos, tanto de fora, quanto daqui, de outros estados, que o compositor acabava incorporando no seu trabalho. No entanto, com esta ditadura do marketing que se instalou nas gravadoras multinacionais, e imprimiu uma música de baixíssima qualidade dos anos 90 pra cá, com a máfia que domina os veículos de comunicação, a mídia influenciou trazendo o desalento, porque o que tem alguma qualidade dificilmente tocará em rádio ou TV.

Por fim, a Internet veio, senão como redentora, ao menos pra tentar democratizar o acesso à informação e à cultura, e esta sim, trouxe novidades, aquele frescor de se conhecer um pouco da produção brasileira e mundial.


Você compara o seu trabalho de compositor como ao de um inventor ou ao de um jornalista?Ou enxerga de uma maneira completamente diferente?

Eu vejo o compositor como um inventor, sim, talvez como um ourives, como aquele que lapida o material pra transformar em algo belo ou provocativo. Poderia dizer que , nestes tempos de religiões conservadoras se expandindo, que ele é o demônio, no sentido do diferente, que vem incomodar, trazer o novo, o reprimido, a vergonha, o medo, e até o amor civilizado ou selvagem. Não vejo muita analogia com o jornalista, porque hoje em dia, jornalista que se preza, e não lambe as botas do patrão, não está empregado em jornalões , tablóides fascistas semanais ou redes de televisão, ou seja, não compactua com a mídia gorda. Aquela figura do jornalista que denuncia (e não inventa o fato pra cumprir a meta do editor e do empresário de mídia), questiona, e mantém a capacidade de indignação diante de um mundo desigual não está mais em evidência, apesar de suspeitar que é a grande maioria ainda. Neste sentido podemos ver semelhança. O compositor pode e deve também expressar sua indignação, levar a arte para conscientização se assim sentir necessário, mas não precisa se restringir a este papel. Num mundo mais culto , não só o conteúdo,mas a forma em si já pode ser uma forma de questionamento ou desestabilização do status quo.


Tudo já foi criado?

Acredito que sempre há algo novo pra ser reprocessado, misturado, dito, cantado

. Mas sempre carregará vestígios do que se ouviu, viu... Mesmo os compositores mais importantes de MPB, pop, rock, samba, etc..., sempre mesclaram influências, estilos, e nada realmente inédito, sem influência alguma, pode aparecer.


Quem vem primeiro pra você a letra ou a música?Você mesmo é quem faz os arranjos?

Na grande maioria das minhas composições, a letra vem antes. A partir dela, vou sentir que música cabe ou pode transmitir melhor o que escrevi. Há casos felizes de pedaços de letras que vieram com a música instantaneamente, mas é mais raro, talvez umas 5 dentre 160 canções. Quanto aos arranjos, eu mesmo faço a maior parte.


Você gosta de parcerias?

Apesar de 70% das minhas canções terem letra e música minhas, de 15 anos pra cá, comecei a compor em parcerias com mais freqüência, quando conheci o Wellington de Faria, e fundamos o Cantilena. Foi muito interessante, porque algumas letras que eu não imaginava como musicar e se isto seria possível, o Wellington descobria alguma forma de virar canção e daí surgiram umas 40 composições. De uns 6 anos pra cá , tive o prazer de descobrir outros parceiros pra musicar minhas letras, como Wimer Bottura, Cássio Gava,Mário Montaut, Roberto Gava. Há outros , em que excepcionalmente coloquei letra depois de me mandarem a música, como o Brau Mendonça, o José Paulo Ciscato, ou novas parcerias em que musiquei poemas ou letras, como Etel Frota e William de Faria. É sempre uma surpresa muito boa, inimaginável o resultado da co-criação, e tenho sido muito feliz em encontrar estes amigos, mantendo a porta aberta pra novos parceiros musicais.


A música brasileira ainda é a melhor do mundo?

Quincy Jones afirmou que é a melhor. Se não é a melhor, é uma das mais ricas em profusão de ritmos, melodias, e influências que captou. Na sua gênese, da matriz africana, da modinha européia, e posteriormente da música latino-americana, caribenha, inglesa e americana principalmente. Por isso, não é possível admitir que ela tenha mais espaço no exterior, seja elogiada, ouvida, amada por lá e aqui seja relegada a espaços cada vez mais escassos, pela elite econômica, que de maneira burra, não valoriza um acervo tão rico e multifacetado, inclusive pra poder virar produto de exportação.



A eletrônica pode ser usada como ferramenta para a criação?

Por certo, desde o Kraftwerk, a música mundial não passou ilesa. Acho que em doses bem pensadas, a mistura com a música brasileira pode ser muito feliz. Não são todas experiências que me atraem. Gosto muito do que o Loop B faz.


O artista deve ser financiado pelo Estado ou a independência ainda é o melhor caminho?

O Estado deve promover a cultura e a matriz histórica da música brasileira, seja patrocinando trabalhos , seja fomentando a formação cultural, no sentido de reverter esta tendência de se ouvir só o que se toca comercialmente na mídia. Há que se fazer uma revisão destas leis de fomento, como parece que está em andamento, pra não se privilegiar sempre os mesmos grupos de produtores, cineastas, músicos, grupos teatrais que se apoderaram deste nicho, seja pela rede de contatos que possuem ou pelo espaço já consagrado na mídia. Mas a necessidade de democratizar este acesso é premente.


Num mundo de quantidade em detrimento da qualidade você acha que há um grande despreparo por parte de alguns compositores?

Eu acho que há uma intenção clara, dos compositores que estão em evidência e tocam no rádio, de ganhar dinheiro e fazer uma grande produção de refrãos fáceis. Quanto aos outsiders, a estrada , os shows, são ótimos laboratórios pra aperfeiçoamento de suas composições. Como isto não é possível e são restritos os espaços , com exceção de alguns lugares alternativos, como o clube Caiubi (sediado atualmente no Villagio Café), não há como testar a reação do público, e a obra pode ficar devendo pra qualidade, ou mesmo o compositor perder a motivação pra continuar criando , sem ter um por que.


Qual o futuro do compositor de música popular?

É nebuloso, na minha opinião. A seguir como está , a tendência é a música popular brasileira se restringir a guetos, e cada vez ser menos ouvida.Se não conseguirmos reverter, seja pelo agrupamento dos artistas, seja pelo transformação da Internet em principal meio, é imprevisível o futuro da canção. Na minha canção-manifesto M.I.B., Música Impopular Brasileira, eu cito a discussão que o Chico Buarque levantou e complemento: “será o fim da canção ou a canção é o fim?”.


Você compôe constantemente ou há periodos que deixa de compor?

Cada vez componho menos, por conta talvez da desmotivação de compor e não ter pra quem mostrar, e também da falta de tempo ocioso pra deixar fluírem as idéias. Até uma década atrás fazia umas 15, 20 músicas por ano, e nesta entressafra, caí de 5 pra 2 por ano de 2007 pra cá.


Sua música influencia o mundo ou o mundo ao seu redor é que influencia sua música?

Quisera ter uma influência significativa, pois acho que apenas interfere no intercâmbio de idéias entre as pessoas mais próximas. Acho que o mundo influencia muito mais, e ficamos com as antenas ligadas pra digerir , misturar e incorporar o que interessa ou o que pode melhorar a nossa música.


Compor é uma questão individual ou uma proposta coletiva como por exemplo um movimento musical?

Pode ser as duas coisas. Predominantemente acho que é mais individual, mas possibilita que frentes se abram, e com a intersecção de cabeças se rompa alguns parâmetros e a ebulição se faça, chamando a atenção do público para o novo.


Há uma máfia no meio musical?

Acredito que sim, pois além do jabá que corre solto nas rádios e tevês, alguns produtores levam tudo. Seus artistas ocupam mais espaços, fecham muitos shows, mais por causa de sua rede de contatos do que necessariamente pela qualidade do trabalho. O volume de produção é também muito grande e acredito que os programadores de redes como o Sesc nem tem tempo de ouvir o farto material que recebem


Fale sobre a música- manifesto "música impopular brasileira"?

É um desabafo, uma provocação, um vômito em cima da péssima música que toca no rádio. O sucesso é fabricado pelo dinheiro das gravadoras, que determina quem e o que vai tocar. Com isto, a música popular brasileira perdeu completamente o espaço,com este bombardeio da mídia, este mundo de big brother e extrema visibilidade para alguns. As pessoas mais simples imaginam que vários compositores, que tocavam em rádio até 15 anos atrás, não compõem e nem fazem mais shows. Então a música veio como um chacoalhão sarcástico, dizendo que a música popular tornou-se agora a música impopular brasileira e propõe uma guerrilha musical (inspirada no filme Cecil Bem Demente) e denunciar, ocupar espaços, seqüestrar os sentidos, contra a propagação da música sabão-em-pó que monopolizou o espaço midiático e empobreceu a cultura brasileira. A idéia veio ao encontro do livro, que só conheci depois, “Música Impopular” de Julio Medaglia.Ele afirmava em 1970, que a música erudita era a impopular , em contraposição à música popular brasileira; mas que bastava dar oportunidade e aos poucos, veicular música clássica,(as mais fáceis pra se digerir) que a população acabaria gostando, no que acredito piamente. De uns tempos pra cá, a MPB virou a música erudita de antes, e acho que temos este trabalho a fazer , espalhar nossa música pra que a população conheça a riqueza da cultura brasileira e a música impopular volte a ser popular. Neste sentido criamos uma comunidade no Orkut , “Música Impopular Brasileira” pra discutir, trocar informações, se fortalecer frente a concorrência desleal do dinheiro,


Na música "Bizarro" os arranjos remetem a música negra americana mas há um trecho da letra em que você diz : " ...e o que era estranho e bizarro é o natural que cresce e se espalha..." , queria que falasse um pouco sobre essa música..

Esta música se inspira, na parte melódica e harmônica , no soul e na dance music, reverenciando meus ídolos Barry White, Billy Paul, Marvin Gaye, James Brown ,entre outros. Falo da estranheza e de como “o mundo é dos espertos, mas eles também caem e se ralam”. A sociedade atual tornou-se bizarra, o que vale é o consumo, o individualismo, em detrimento da solidariedade e de alguns valores que pensamos ser do Homem, ao longo do tempo.Passar por cima do outro, não enxergar que vive em comunidade, é a coisa mais natural, e ter é o verbo compulsório que tenta preencher o vazio do ser humano. “Dos rosas, carniças, mares, missas, lares, odores de dores exalam..”

Para ouvir o trabalho de Ozias Stafuzza é só acessar:

www.musicaimpopularbrasileira.com.br
www.myspace.com/oziasstafuzza
www.cantilena.com.br

comunidades no orkut:

Música Impopular Brasileira:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=13426645

Cantilena:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=15453912

2 comentários:

  1. super lúcido, navalha na carne...é o estilo do parceiro Ozias...gostei imensamente de sua maneira de expor as idéias, que já conheço de longa estrada. Aliás, essa sua maneira poética, por vezes concretista e de parabólica incessantemente ligada é que faz a diferença nas letras...daí, que musicá-las, antes de um desafio é sempre um luxo nas parcerias. Parabéns pela lucidez artística e viva o músico pensante...Wellington de Faria.

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  2. Compartilho da mesma preocupação com relação à MPB de qualidade. Faltam espaços onde os compositores(as)/Cantores(as) possam se apresentar, sem falar nos interesses nocivos a cultura que só divulgam os ditos "modismos". Mas creio que existem saídas alternativas para se combater esse gigante: A união dos artistas(protelados, segregados ou coisa que os valha)com objetivos comuns é uma desses opções.

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